Acordei como em tantos outros dias.
Desorientado.
Mais uma vez acordava num quarto que me era estranho. Mais uma vez não me lembrava da noite anterior.
Merda, como detestava aquelas brancas que me davam de vez em quando.
Tudo era igual a tantas manhas que as seguiam.
O quarto de motel rasca. A sensação de que algo errado se tinha passado. E aquela estranha sensação de vazio que rivalizava com uma satisfação macabra.
Isso e claro e a cama vazia.
Só aí me apercebi.
A cama não estava vazia. Havia alguém deitado ao meu lado. Perfeitamente quieto e silencioso.
Virei-me.
E então vi-a.
O cabelo ruivo e ondulado, a pele branca, os olhos azuis.
Era uma imagem de perfeição.
Mas havia algo que não se enquadrava. Algo que tornava aquela imagem angelical numa composição demoníaca.
Apercebi-me só então que os seus seios perfeitos não se moviam. Apercebi-me disso no mesmo momento em que os meus sentidos se aperceberam do sangue espalhados lençóis.
Levantei-me da cama e corri para a casa de banho.
Na casa de banho, debrucei-me no lavatório por uns momentos com os olhos fechados.
Só podia ser uma alucinação. Uma brincadeira. Sei lá. Mas real é que não é.
Não pode estar uma rapariga morta no meu quarto.
Merda, merda, merda.
Abri os olhos e olhei para o espelho.
Um arrepio percorreu-me o corpo e não tivesse acabado de vomitar teria sentido essa necessidade.
O meu corpo estava coberto por uma coisa castanha avermelhada seca.
Tinha sangue espalhado pelo meu corpo.
Abri a torneia do chuveiro com mãos que tremiam e atirei-me lá para dentro.
Fiquei debaixo da água pelo que me pareceu uma eternidade, esfregando o sangue seco do meu corpo com tanta força como podia.
A água tingia-se de vermelho e castanho.
Mas passado um bocado já corria límpida pelos meus pés e por momentos permiti-me esquecer o quadro diabólico que existia no quarto.
Finalmente ganhei coragem para sair da casa de banho e entrei novamente no quarto fazendo um esforço para não olhar para a cama.
Merda. O que posso fazer? Ligar à polícia? Seria considerado suspeito mais provável. Mas era a melhor solução.
Depois de vestir uns boxers dirigi-me à mesa onde estava o telefone e ia a pegar no auscultador quando um pensamento surgiu na minha cabeça.
Deixei-a para ti.
Merda. Para além de tudo o que estava a acontecer era o que me faltava.
Brancas na memória, uma mulher morta na cama onde eu dormia, não saber como tinha vindo aqui ter e agora vozes na minha cabeça. Era mesmo o que precisava. Merda.
E novamente.
Deixei-a para ti.
Desta vez deixei-a continuar.
Deixei-a para ti.
Ao tempo que vivemos os dois uma meia vida.
Nenhum dos dois está satisfeito com o que tem. E o pior é que tu nem da tua meia vida gostas.
Eu, pelo menos, quando estou a conduzir aprecio o que faço. Tu apenas vagueias pela vida sem saber o que queres.
EU SEI O QUE QUERO!
Olha para o quarto.
OLHA!
Vê-la deitada na cama?
Nunca a conseguirias ter se não fosse eu.
EU!
Tu és uma desculpa.
ESTOU FARTTO DE DESCULPAS!
O quê?
Não consegues aguentar o facto de saber que fizeste aquilo à pobre coitada?
Ela até gostou. No Inicio.
Mas não te preocupes. Não foste TU fui EU.
Fui sempre eu. As brancas, as falhas de memória.
TUDO EU!
Também não consegues viver com isso?
Fazemos assim. Tenho uma proposta para ti.
Que dizes a...
Levantei-me do banco onde me sentava e dirigi-me ao quarto.
Olhei para a cama e sorri.
Vesti-me calmamente sem nunca tirar os olhos do corpo que ainda conseguia ser mais perfeito em morte que em vida.
Saí do quarto e cumprimentei o responsável do motel enquanto me sentava numa mesa manchada e pedia um café e uma torrada.
Bacon e ovos? Sim, porque não. Um sumo de laranja também, já agora.
Porque não?
Depois de tanto tempo a viver os minutos que me eram dados como esmolas agora tinha todo o tempo do mundo.
Podia ter tudo o que quisesse e o que queria era tudo.
Como era bom estar finalmente acordado.
1 comentário:
Waaa, gostei, sexy =P
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