quinta-feira, 15 de julho de 2010

Projecto 23 - Semana III

[John]
Conheci-a numa noite ao entrar para o metro.
Entrei na carruagem a correr e foi contra ela deitando-lhe os livros que trazia na mão ao chão.
Ela baixou-se para os apanhar e eu baixei-me também para ajudar.
Enquanto o fazia pedi-lhe desculpa. Ela olhou para mim e eu perdi-me nos olhos dela.

[Rosie]
Tive que repetir o que tinha dito porque ele não me parecia ouvir.
Para aí à terceira vez que disse 'de nada' é que ele pareceu acordar.
Passou-me os livros que tinha apanhado e apontou para um deles.
Perguntou-me se gostava do autor. Disse que era um dos preferidos dele. Eu disse que estava a gostar mas que me assustava um bocadinho.

[John]
Mas é essa a intenção não é?, disse-lhe.
Para quê ler histórias de fantasmas se não para nos assustarmos.
Falamos mais uns minutos até ela dizer que estava a chegar à paragem dela.
Ganhei coragem e perguntei se não queria combinar um café.
Ficou a olhar para mim enquanto as portas abriam.
Tenho que sair, disse. E saiu da carruagem. Tentei sair atrás dela mas as portas já estavam a fechar.
Fiquei colado ao vidro enquanto a via afastar-se na direcção da saída e de um grupo de gunas que se encontrava a um canto.
O metro arrancou...

[Rosie]
Deve ter passado uma semana até o ter visto outra vez.
Estava a ir para casa quando alguém gritou na minha direcção.
Não liguei e continuei a andar até sentir alguém a correr na minha direcção.
Olhei para trás e vi-o a vir na minha direcção a gritar 'espera'. Estava ofegante quando chegou a à minha beira.
Olá, disse-me ele, não sei se te lembras de mim.

[John]
Conheci-te no metro no outro dia, disse-lhe.
Sim lembro-me, respondeu.
Disse-lhe que não me tinha respondido ao convite para o café.
O meu namorado é um bocado possessivo, foi a resposta dela.
Um café, disse-lhe, não é nada de mais.
Olhou à volta como que à procura de algo.

[Rosie]
Não havia ninguém à volta na rua.
Há ali um café, disse-me.
Ok, respondi, vamos.
Entramos no café e sentei-me numa das mesas do canto o mais escondida possível.
Ficamos sem dizer nada até a empregada vir à nossa mesa.

[John]
Incrível como era ainda mais bonita do que a imagem que tinha na memória.
Na mesa do café, manchada pelo uso e pelos anos, o seu cabelo ruivo ondulado brilhava debaixo das luzes fluorescentes e os olhos verdes em que me tinha perdido brilhavam de excitação e medo.
A empregada anotou o nosso pedido e quando se afastou da mesa olhei para ela que olhava pela janela.
Sabes, disse-lhe, não precisas de ter medo, só quero mesmo conversar, às vezes é complicado encontrar pessoas com os mesmos gostos.
Não..., a sua voz tremia, não é de ti que tenho medo.
Quando ia perguntar-lhe o que se passava, embora no fundo soubesse o que era, a empregada chegou com as bebidas.

[Rosie]
Pousou o chá verde à minha frente e o café à frente dele.
Preto, sem açúcar.
O cheiro forte do café invadia os meus sentidos e vou sempre recorda-lo.
Acabei o livro, disse-lhe casualmente, tinhas razão a excitação e o medo são o que nos faz continuar.
É como ler um romance e não sentir aquela sensação no nosso coração não é?, disse-me ele.
E as horas passaram enquanto falávamos.
Tenho que ir, disse-lhe olhando para o relógio.

[John]
Pegou num guardanapo, escreveu algo e dobrando-o passou-mo.
Comecei a abri-lo.
Agora não, disse-me.
Tirou a carteira da mala e ia a tirar dinheiro.
Deixa, disse-lhe, eu ofereço.
Agradeceu e pediu desculpa mas tinha mesmo que ir embora.
Eu disse que sim e ia a levantar-me mas ela pediu-me para ficar.

[Rosie]
Saí do restaurante a correr e apanhei o metro.
Já estava atrasada e sabia que isso não ia ser nada bom.
Mas o que estava feito não podia ser revertido.
Nunca devia ter entrado naquele café, e, enquanto parte de mim estava arrependida a outra não.
Estava mais de uma hora atrasada quando cheguei ao encontro com o meu namorado.

[John]
Fiquei a olhar para o guardanapo durante não sei quanto tempo.
Adorei a conversa, dizia, e por baixo um numero de telemóvel, uma hora, e a assinatura, Rosie.
Fiquei no café até chegar a hora indicada no papel e quando chegou escrevi uma SMS e enviei-a.
Dizia simplesmente 'temos que repetir, John'.
Não obtive resposta.
Saí do café e já passando das duas da manha fui para casa a pé.

[Rosie]
Disse-lhe que me tinha atrasado no trabalho.
Sabia que se dissesse que tinha ido tomar café com um desconhecido que ele se passava por isso achei melhor arranjar uma desculpa.
Liga para casa, disse-me, já que chegaste tarde agora vais ficar comigo. Diz que vais ficar com uma das tuas amigas, continuou.
Tentei dizer-lhe que o meu pai não ia gostar de ser avisado assim em cima da hora mas ele não quis ouvir.
Não é com o teu velho que te tens que preocupar mas comigo, disse.
Por isso liguei.
Por isso que estava com ele quando a mensagem chegou.

[John]
Não tive resposta.
Pensei que quando chegasse a casa do café, o que demora mais ao menos quarenta e cinco minutos a pé, ela teria dito qualquer coisa.
Mas nada.

[Rosie]
Foi terrível.
O telemóvel deu sinal de mensagem e embora me tenha apercebido deixei passar.
Talvez ele não tivesse ouvido ou pensasse que fosse de outra pessoa.
Mas não.
Não vais ver a mensagem?, disse-me.
Deixa, respondi, agora tou contigo. Inclinei-me para o beijar mas ele afastou-me e pediu-me o telemóvel.
Tentei argumentar que não devia ser nada importante mas o olhar dele fez-me obedecer.
Nada de importante não é?, disse enquanto me dava um estalo.
Ficaste a trabalhar?, gritou.
Outro estalo.
Temos que repetir? O que é que temos que repetir?, notava-se a raiva na voz dele.
Cada frase era pontuada por um estalo.
John é?, tinha os olhos raiados de sangue, Se descubro quem ele é vamos ver se vai ter vontade de repetir o que lhe vou fazer..
Tentava falar mas não conseguia falar.
Agarrou-me pelos cabelos e meteu-me dentro do carro. Duas ruas acima da minha parou.
Sai, disse, não te posso ver mais hoje.

[John]
Estava atrasado novamente para o metro.
A porta fechou e lá estava ela.
Rosie, comecei a dizer chegando-me à beira dela.
Não fales comigo, disse-me.
A porta abriu e ela saiu a correr.
Saí atrás dela.
Rosie que se passa?, disse enquanto a seguia.

[Rosie]
Não podemos ser visto juntos, disse-lhe, se o meu namorado descobre.
Pôs-me mão no ombro e forçou-me a virar.
Foi então que viu a minha cara.
Rosie foi ele que te fez isto?, perguntou.
Fui assaltada a ir para casa, respondi.
Comecei a chorar.

[John]
Foi ele não foi?, disse-lhe, Rosie não podes deixar que ele te faça isto.
Negou.
Disse novamente que tinha sido assaltada que se quisesse podia perguntar à polícia.
Tinha apresentado queixa.
Mas eu sabia.
Rosie, disse, foi por causa da mensagem?
Olhou para mim com os olhos cheios de lágrimas.
Assaltada disse.

[Rosie]
Virei-lhe as costas e comecei a afastar-me da estação.
Sabia que se me atrasasse seria castigada.
Agora a mínima coisa servia como desculpa para uma tareia.
Mas não tinha como fugir.

[John]
Porque o defendes Rosie? Confessa, diz o que ele te fez, gritei na direcção dela.
A resposta dela deixou-me gelado.
Comecei a apanhar o autocarro para a evitar.
Para não ir falar com ela.
Às vezes vou ao velho café na esperança de a ver mas também ela deve ter mudado os seus hábitos porque nunca a vejo.
Mas todas as noites pego no guardanapo e leio as palavras que ela escreveu na nossa primeira, e única, saída juntos.
E por momentos sou feliz.

[Rosie]
Porque o amo, foi a minha resposta.
Era o que ele precisava ouvir.
Foi a minha maior mentira mas precisava que ele se afastasse.
Tinha medo do que podia acontecer se não nos afastássemos.
Não por mim mas por ele.
Vejo-o no café onde nos encontramos aquela primeira vez.
Os seus olhos procuram algo e tenho a esperança que seja a mim mas não me posso revelar.
Durmo com o livro de fantasmas na mesa-de-cabeceira.
Sinto que assim o tenho perto de mim.
Leio uma pagina todos os dias, quando consigo abrir os olhos o suficiente para ler.
E nessas alturas, por momentos, sou feliz.


Como podem reparar o titulo deste texto esta de algum modo estranho. Isso acontece por causa de um novo projecto que começa hoje. O Projecto vai correr da seguinte forma:

23 temas, 23 Historias, 23 semanas.

Durante 23 semanas, Miguel Gonçalves aka Angelus e Daniel Lopes aka GodsHand irão escrever 23 historias únicas sobre 23 temas diferentes sendo o desta semana sobre Miudos de rua. Podem encontrar o Historia do Daniel para este tema no blog Confissões de Uma Mente de Merda em:

http://confissoesdemerda.blogspot.com/

1 comentário:

_GoDsHanD_ disse...

Na minha mais sincera opinião, o teu melhor texto até hoje. Adorei ter lido.

Com muito orgulho que corro neste projecto cntg.

Abração