sexta-feira, 15 de maio de 2009

Juventude Perdida

Aquela imagem vai acompanhar-me para sempre.

Era apenas um rapaz quando a vi. Era o dia do meu décimo aniversário e o dia em que a minha vida mudou para sempre.
Não sabia quem ela era. Não exactamente. Já a tinha visto várias vezes na cidade mas não sabia o nome dela. Sabia apenas que ela era a rapariga mais bonita da cidade.
Não que naquela altura eu estivesse interessado em raparigas. Sabia-o dentro de mim, que aquela rapariga, que devia ter pelo menos mais 6 anos que eu, era o ideal de beleza que existia dentro da minha cabeça.
Ou então, como anos mais tarde vim a pensar, talvez o ideal de beleza que criei e possuo se tenha baseado nela.
Mas não precisam de acreditar em mim. Eis como ela era na primeira vez que a vi.

Estava com a minha mãe na loja central da cidade para fazermos as compras para os próximos dias. Devo dizer que a nossa casa era isolada da cidade, ficando no topo de uma colina que se elevava a norte da cidade, e embora não vivêssemos isolados eram poucas as vezes que vínhamos à cidade. Normalmente ficava a brincar com as outras crianças cá fora mas naquele dia não havia ninguém com quem brincar por isso entrei na loja.
E lá estava ela.
O cabelo preto caía-lhe numa trança ao longo das costas, o vestido azul esvoaçava sempre que ela se mexia, os seios, em que só reparei anos mais tarde quando revi estas memórias, moviam-se com cada respiração, os olhos verdes brilhavam com vida e juventude. Mas o que mais ficou na memória, o que me faz acordar à noite ainda hoje, foi o seu riso. Um riso jovial e alegre.
Nesse dia reparei nela, como reparava em todas as outras pessoas. Da maneira que qualquer rapaz, na altura com nove anos, repara.
A próxima vez que a vi ela falou comigo embora eu não tenha sido capaz de dizer nada. Tinha estado a brincar e ao tentar seguir as outras crianças a saltar um muro caí e estava sentado na beira do passeio a chorar. Tinha o joelho esfolado e a sangrar. O choro não era de dor física mas sim de vergonha por não ter conseguido seguir as outras crianças. Ela chegou ao pé de mim e ajoelhou-se. A sua voz era suave e conseguia sentir o cheiro do seu cabelo no vento.
“Que se passa, meu querido?” foram as primeiras palavras que ela me disse. Eu não consegui responder.
“Tens um golpe feio no joelho. Deixa-me ver.” E com um lenço que tirou da manga do vestido limpou-me o joelho, tornando-o a guardar. Depois desatou a fita que trazia no cabelo e atou-a á volta da ferida.
“Agora já está protegida. Não chores mais.” Deu-me um beijo na cara e seguiu o seu caminho.
Ainda tenho a fita que ela atou no meu joelho e ainda sinto o cheiro do seu cabelo nela.
Depois disso vi-a mais vezes e sorria-lhe sempre e ela sorria de volta, se calhar sem saber quem eu era. Aproveitava todas as oportunidades que tinha para ir à cidade só pela possibilidade de a ver.

A última vez que a vi, no dia do meu décimo aniversário, o sorriso tinha abandonado os seus lábios. E embora não soubesse bem o que pensar sabia que nunca mais o veria a não ser na minha memória.
Estava a sair da cidade, era um dos raros dias em que não a tinha visto, mas também tinha passado o dia todo a brincar nos celeiros com os filhos do nosso capataz.
Ao seguir o caminho que saía da cidade em direcção á colina vi ao longe algo a baloiçar numa árvore, um enfeite, pensei, adiantado para o festival das colheitas que estava a aproximar-se.
Só quando me aproximei é que me apercebi que se tratava de uma pessoa. Uma mulher, para ser mais preciso. Uma mulher enforcada. O vestido preto agitava-se ao vento, assim como o corpo que baloiçava suavemente. Só quando dobrei a curva da estrada é que vi quem era.
O vestido tinha sido rasgado à frente e os seios estavam retalhados. O cabelo preto voava em todas as direcções e só permitia ver a sua face por breves momentos antes de esta ser envolta no mar negro que era o seu cabelo. Nesse breves instantes vi, e ficará para sempre na minha memória, que o seu sorriso tinha abandonado os seus lábios carnudos, que a luz tinha abandonado os seus olhos verdes.

Durante anos fiquei sem saber a razão que tinha levado as pessoas da cidade a enforcar a rapariga. Só passado cerca de dez anos, enquanto bebia numa taberna com um amigo, comentei o que tinha visto há tanto tempo atrás e soube o porquê.
A rapariga não tinha despertado admiração só em mim. Mas enquanto eu a adorava como um católico adora um santo, outros tinham uma adoração mais física. E foi quando ela recusou os avanços de um desses admiradores, por sinal um homem poderoso na cidade, que ele fez queixa dela por práticas ocultas. Mais, disse, e jurou por Deus, um Deus que eu hoje abomino pelo que Este permite aos seus seguidores fazer, ela o tinha tentado com o corpo para que este fizesse parte de um ritual com ela. Arranjou testemunhas, outros homens a quem os avanços também tinham sido recusados, que disseram que também eles tinham sido tentados mas que nunca tinham dito nada com medo de represálias ‘pelos poderes da escuridão’. O meu amigo, vim a descobrir era filho de um desses homens, que deixou uma carta para o seu filho a contar que não podia viver com a morte de uma rapariga inocente antes de se ter suicidado. O meu amigo nunca disse nada a ninguém porque sabia que um dia a pessoa certa a quem contar chegaria.
Nessa mesma noite matei o homem que falsamente acusou a rapariga. Segui-o até a uma casa na zona pobre da cidade. Quando ele saiu esfaqueei-o sete vezes. Nas semanas seguintes matei todos os que tinham testemunhado contra o que vim a pensar como sendo o meu primeiro amor. Todos se arrependeram no final mas só a morte lhes poderia trazer o perdão necessário.

Hoje escrevo isto não por necessitar de perdão, não preciso. Não me arrependo de nada do que fiz. Aqueles homens mereciam morrer. Amanhã é o dia do meu vigésimo segundo aniversário. Amanhã é o dia em que morrerei. Serei enforcado, como ela. Como ultimo desejo pedi para ser eu a escolher o sítio. Pedi para me enforcarem numa árvore à saída da cidade, no caminho que dá para a casa abandonada na colina onde antes vivi. A mesma arvore na qual ela morreu. Terei a fita dela comigo. Sei que o ultimo cheiro que vou sentir será o do cabelo dela, quem sabe sentirei o cabelo dela no vento a bater no meu rosto. Sei que a última face que vou ver vai ser a dela e sei, nunca soube de nada com tanta certeza, que estará a sorrir e que o riso dela vai ser a ultima coisa que vou ouvir.

Imagem por Bill Wrightson - 'Frankenstein' Collection

quinta-feira, 7 de maio de 2009

Back to the Present

Boa noite a todos. ´

Sei que durante muito tempo estive ausente deste espaço.
Agora que a minha mente se encontra de novo no local certo, melhor, agora que se encontra de novo perdida no meio de devaneios de outros mundos e realidades, prometo voltar a fazer os possiveis para vos passar estas histórias e mensagens que me passeiam na cabeça.

Agradeço a todos os que me apoiaram e os que nunca me deixaram desistir.
Vocês sabem quem são.

Até breve.

Até lá, mantenham-se Sob o Feitiço da Lua...