Muitas vezes foi perguntado a diversos escritores onde eles vão buscar as suas ideias. Uns dizem que as ideias são como um bloco de mármore que apenas precisam de ir trabalhando até que a ideia se revele perante eles. Outros atestam a existência de uma fonte comum onde todos os escritores vão buscar as suas ideias.
Eu não me considero um escritor. Escrevo, é verdade, mas o que escrevo é mais para mim que para os outros. As minhas ideias podem vir dos mais variados lugares. Um desenho que vi, uma música que ouvi, até, um livro que li. Tudo tem uma história para contar. Por vezes essa história já foi contada mas sentimos a necessidade de contar algo mais. Outras vezes somos atingidos por flashes que nos fazem contar algo.
O que se segue é apenas uma das ideias onde se podem ir buscar as ideias...
Espero que gostem de ler esta história como eu me 'diverti' a escrevê-la.
Quanto a mim vou em busca de inspiração....
"- Pára! – Disse o homem. – Não te adianta fugir... – a sua voz era calma enquanto corria atrás dela. – Podes correr o quanto quiseres... Podes esconder-te onde te apetecer... Mas mais cedo ou mais tarde vais ter que parar ou sair do teu esconderijo e sabes que mais? Quando o fizeres eu vou estar lá à tua espera."
Isto era tudo o que Harry Donovan tinha escrito do seu novo romance policial.
Após um sucesso astronómico com o seu primeiro livro, intitulado “Noites Sangrentas” no qual um polícia com dupla personalidade se perseguia a si mesmo por o assassinato de três mulheres em Nova Iorque , o seu editor tinha insistido para que Harry produzisse um novo best-seller.
Harry argumentou, tanto ao seu editor como em diversas entrevistas e outras tantas conversas informais em festas, que precisava de tempo para se afastar do perfil psicológico do ‘herói’ do seu livro anterior e para recuperar as forças depois de lidar com um carácter tão forte como o do Detective Andrew Stevens.
Tudo isso se tinha passado à mais de seis meses e este paragrafo tinha sido o melhor que tinha conseguido escrever. Na verdade tinha sido tudo o que ele tinha escrito desde essa altura.
Tinha acordado numa noite chuvosa há três meses com essa imagem na cabeça. Um beco mal iluminado, um homem alto de gabardine castanha proferindo essas palavras, uma mulher escondida nas sombras. Levantou-se de imediato e dirigiu-se ao computador onde digitou furiosamente essas palavras. E depois mais nada.
Todos os dias ligava o processador de texto e sentava-se a olhar para a página em branco tirando essas quatro linhas, com uma chávena de chá na mão. Observava o cursor da barra de digitação a piscar durante horas. Depois, num ataque de fúria calma, levantava-se e desligando o computador saía de casa para voltar já tarde na noite. Ás vezes bebia outras não mas voltava sempre pior do que tinha saído.
Quando o seu editor ligava, dizia-lhe que o livro era um trabalho em progresso e que em breve teria algo para ele. Nesses dias bebia sempre.
Harry tinha passado mais um dia a olhar para o ecrã. Como em todos os outros dias dos últimos meses levantou-se para sair. Olhou pela janela e viu os ramos das árvores na rua abanarem com o vento.
Pegou na gabardine pendurada atrás da porta e saiu para a rua dirigindo-se ao seu bar preferido.
Ao fim de 20 minutos estava no bar, a caminhada era longa mas aclarava-lhe sempre as ideias, e Harry esperava que lhe trouxesse ideias de como continuar o livro. Era a sua maneira de relaxar.
No bar, pediu uma cerveja e um hambúrguer ao balcão e sentou-se numa mesa ao fundo do bar de onde podia estudar as pessoas que entravam.
Comeu o hambúrguer e pediu outra cerveja enquanto rabiscava no bloco que trazia sempre no bolso. Mas, como em todos os outros dias, não teve nenhuma ideia coerente.
Saiu do bar apertando a gabardine. Começou a fazer o caminho para casa e passado fim de 10 minutos cruzou-se com uma jovem.
Continuou sem a princípio se aperceber que tinha dado meia volta e que já se encontrava numa zona da cidade escura e onde os becos se separavam da rua principal de uma maneira louca. A rapariga à sua frente tinha acelarado o passo e ele fez o mesmo.
Reparou que a rapariga olhava diversas vezes para trás e que de cada vez que o fazia acelerava o passo. Ficou surpreso por reparar que mais uma vez que também ele o fazia.
Quando a rapariga o tentou despistar não se admirou de se ouvir dizer as palavras que tantas vezes tinha visto na tela do seu computador.
Voltando a casa, dirigiu-se à casa de banho e depois de um banho sentou-se na secretária e escreveu até ao amanhecer.
Vestiu-se e dirigiu-se ao quiosque da esquina para comprar o jornal como sempre fazia. O velho do quiosque comentou brevemente qualquer coisa acerca de uma ‘pobre coitada’ e depois deu-lhe o troco voltando-se para atender outro cliente.
De novo em casa Harry abriu o jornal e leu o cabeçalho:
“Jovem de 21 anos morta em beco quando voltava do trabalho.
Policia afirma não ter pistas quanto ao autor do crime.”
Um breve sorriso apareceu no seu rosto.
Não ligou o computador durante esse dia.
Ao final da tarde dirigiu-se à paragem de autocarro. Saiu nos arredores da cidade, onde chamou um táxi para o levar até ao lado oposto da cidade, de onde seguiu a pé até encontrar um bar.
Depois de uma refeição saiu do bar e começou a andar pelas ruas.
Já era tarde. Mas era a hora certa para ele.
Era a hora de escrever um novo capítulo.