Capitulo 1 - Despertares (pt.2)
Ao fim de umas três horas a caminhar, três horas essas que durante a última noite teriam demorado menos de um terço desse tempo, encontrei umas roupas a secar numa casa junto à orla do bosque. Eram umas simples calças de ganga já gastas do uso e uma camisa de fazenda aos quadrados à la Eddie Vedder. Numa atitude arriscada aproximei-me da porta da casa onde estavam pousadas umas botas do exército e afastei-me a correr. Tinha sido perigoso chegar-me tão perto da porta mas levantaria mais suspeitas se estivesse descalço. Voltei à orla do bosque onde vesti a roupa que tinha arranjado e calcei as botas e dirigi-me, então, à cidade.
À medida que a cidade aparecia no horizonte revelava-se mais como uma vila. Daqueles locais em que todos se conhecem e os forasteiros são olhados com desconfiança. Era uma vila isolada, e embora não fosse grande era de uma dimensão razoável. Era atravessada por uma avenida principal que era cortada por ruas irregulares e sem aparente planeamento.
Na cidade perguntei a um rapaz borbulhento que corria de um lado para o outro onde poderia encontrar um telefone. O rapaz olhou-me desconfiado mas por fim apontou para o outro lado da rua. O edifício de dois andares que me tinha sido indicado, estava pintado de um branco que com o tempo tinha lascado e estava coberto de pó e sujidade.
No interior o aspecto não era muito diferente. O edifício servia de restaurante no andar inferior e no andar superior de hospedaria. Uma placa na parede informava terem quartos livres a 5 dólares a noite. Dirigi-me ao balcão onde fui atendido por um homem de meia-idade com um ar estranho.
- Bô no’te. Poss’ ajudar? – disse o homem.
- Boa noite. Sim pode. Precisava de usar um telefone. E se calhar um quarto para passar a noite.
- É possível. O quarto é 15 dólares a noite, forasteiro. O telefone depende da chamada.
- Pois… Vê… Aí é que está o problema. Eu tive uns problemas e não tenho dinheiro comigo… O telefonema é para me virem buscar e trazerem dinheiro.
- Não há problema. Eu aponto o que gastar e depois paga-me… Deixe ver, 20 dólares pelo quarto e depois vê-se a chamada. Aqui está o telefone.
Marquei o número e após 2 toques atenderam.
- JS Internacional. Em que posso ser útil? – disse uma voz vigorosa.
- Jay? Sou eu.
- Angelo? Onde andas? Está toda a gente à tua procura. Está…
- Sim Jay está tudo bem. Preciso que me venham buscar. Estou em… Espera um bocado. – e dirigindo-me para o lado – Como se chama esta maravilhosa terra?
- Hiddenville – disse alguém
- Jay, eu estou em…
- Edenville. Eu ouvi. Deixa-me só ver… – ouvia-se o barulho de teclas a serem premidas. – Headenville, H-e-a-d-e-n-ville. Isso fica no meio de nada. Acho que nunca percorreste tanto terreno numa só noite. É capaz de demorar um pouco a ir-te buscar. Sabes como são as coisas no dia a seguir. Mantém-te calmo e tenta não criar confusão. Qualquer coisa entro em contacto.
- Ok Jay. Fico à espera. – e a chamada terminou.
- Problema resolvido? – disse o barman.
- Em parte… O meu colega que me vinha buscar está com muito trabalho em mãos, por isso sou capaz de ter que gozar da vossa hospitalidade mais uns tempos.
- Não há problema. Quer beber alguma coisa?
- Claro – disse eu imaginando os preços inflacionados que me cobrariam – pode ser um copo de Jack Daniels sem gelo.
- Nã temos… Quer pedir outra coisa?
- O que têm? – disse com algum receio.
- Shoggoth’s.
- Desculpem a minha ignorância mas isso é o quê? Whiskey, cerveja?
- É Shoggoth’s. – disse uma voz do fundo da sala.
- Ok… pode ser então uma Shoggoth’s. E já agora consegue arranjar-me um papel e uma caneta?
- Clar’ que sim. Sente-se qu’ alguém lhe leva iss’.
Sentei-me então numa mesa junto á janela de onde podia ver a avenida e os estranhos habitantes desta vila que parecia estar a acordar.
~*~
Ela acariciava-me a face enquanto, ofegante, eu recuperava do êxtase que vinha do acto que tinha cometido. Tinha acabado de morder alguém que não conhecia e bebido do seu sangue. Alguém esse, uma mulher, que se encontrava nua á minha frente sem que isso lhe causasse o minino desconforto. Só então me lembrei que também tinha sido mordido. Tanto por ela como no ataque de que tinha sido vitima. Levei primeiro a mão ao pescoço para inspeccionar a ferida mais recente. Ao reparar que tinha apenas uma leve camada de sangue e praticamente nenhuma ferida levei as mãos às costelas onde o animal me tinha atacado mais ferozmente.
- O que se passa? – tentei dizer. Mas da minha boca apenas saiu um ‘huh?’.
- Calma pequenino. – repetiu a mulher – O meu sangue já está a ter efeito em ti. Fui eu que te ataquei. Estes dias vão ser complicados para ti. Principalmente as próximas três noites. Mas eu estarei aqui. Ainda não podes voltar aos teus companheiros. Eles iriam desconfiar de estares curado depois de terem visto o sangue no local onde desapareceste.
Tentei responder mas ela interrompeu-me.
- Irei explicar-te tudo. Mas agora precisamos de descansar. As primeiras noites são as mais importantes mas eu sou uma boa professora…acho.